sábado, 15 de dezembro de 2012

IRREVERÊNCIA

Se já me falha a oração
cai sobre mim todo verbo,
sujeito composto no pretérito
sempre mais-que-imperfeito
rumo ao futuro interrogativo.

Pronomes muito indefinidos
para minhas [val]orações:
alguém, ninguém, tudo ou nada,
tanto, quanto, todo e cada.
Cada um, cada qual,
tanto faz quem quer que seja?
Já há o bastante em minha mesa?
Até que ponto todo aquele
descarta tudo o mais?

Pudera eu ser mais exato,
um pouco mais preciso
e tanto menos chato.
Se houvessem menos possibilidades,
nenhum limite ou nem tanto querer,
dilemas fáceis de verdade,
formulas simples de resolver.

Mas ainda que fosse todo problema
equação simples de 1º grau,
não seria a variante invariável
na margem de erro calculável
da propaganda eleitoral.

Quando o desiderato está de junto
estar contido não me agrada,
caso o valor seja a raiz quadrada
que me enquadra no conjunto.

Se a convenção não me convence
como me deixar resignar?

Não será toda essa certeza
mais um valor conformado?
Como acertar o resultado
se não há razão entre as grandezas?

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O MAIOR POEMA DE TODOS OS TEMPOS

Hoje decidi escrever
o maior poema de todos os tempos.
Deve ser um poema de amor,
sem dúvida.
Exaltar sentimento tão compartilhado
tocará o coração de todos
que o ouvirem.
Não haveria ninguém no mundo
incapaz de compreendê-lo.
Logo as pessoas perceberão
quanto amor lhes falta,
justamente o que é preciso
para ser feliz.

Tão logo surgem as primeiras linhas,
me dou conta que o amor (verdadeiro)
não basta para tornar grandioso
meu poema.

Lógico!
É preciso dizer o caminho necessário
para alcançar tal felicidade.
O maior poema de todos os tempos
deve transmitir uma mensagem sábia,
que revele ao mundo toda a ignorância,
libertando-o do delírio e da insensatez.
Esta será a grande missão do poema.

Mal havia composto 
uma meia dúzia de versos,
me toco que
o maior poema de todos os tempos
deve precaver das dificuldades
da tarefa para a qual convoca.

Isso mesmo!
Meu poema 
será uma verdadeira convocatória de luta.
Deve incitar coragem e rebeldia,
chamar todos às ruas
para cantar a linda mensagem do poema.
Ele será lido em todas as praças,
em todos os cantos e confins do mundo,
um verdadeiro hino para a humanidade.
Logo seria aclamado - de fato! - como
o maior poema de todos os tempos.

Mal encerro o último verso,
já me encontro em êxtase.
Desejo mostrar a todos 
minha grande obra-prima.
Num gesto irreverente
salto pelo quarto,
declamando o poema em voz alta.
Mas ao passar por cada estrofe,
percorrendo suas linhas 
ao tom de cada rima,
não enxergo nele
o menor sinal de amor,
sabedoria
ou revolta,
apenas a pura vaidade. 





quarta-feira, 14 de novembro de 2012

POEMA DE LIBERTAÇÃO




Este bolo na voz
vem com um frio na espinha,
gelo que espalha no ventre
como queda no espaço.

Esta comoção se revela
num surto de paixão que me leva,
tão real que posso tocá-la.

Como onda me atravessa
e cada músculo se contrai.
Numa paralisia frenética
deixo que a onda me leve,
com ela leve me corpo vai.

Não é queda solitária,
carrego junto minha sacola.
A mesma gravidade que me atrai,
derruba o peso das costas.

Já não tem mais jeito.
Até que fiquei sem jeito, então...
Cansei da ânsia mesmo.

Achei que seria dureza
me ver entregue a vida solta,
mas - pasmem! - tudo que senti
foi o prazer de me entregar,
pois se entregar, as vezes,
é também se libertar.




sábado, 20 de outubro de 2012

SONETO DA DOR



 A reação que provoca é imediato choro ou grito,
seguido da sensação de medo e cólera,
libertando a besta domada de sua coleira.
Clara é a perda da razão, e ainda sim não admito.

Não quero entrar no mérito do que a provoca.
Seja sua natureza a mera fratura física,
seja seu gatilho uma detonação psíquica.
Quero falar do que possivelmente ela evoca.

Caso a lesão seja profunda, por muito tempo a carrego,
me persegue a todo canto e de qualquer maneira,
impedindo que a esqueça, ferindo fundo meu ego.

Logo deixa claro que nem tudo é brincadeira,
evitando que me torne um ser humano bobo e cego.
Me força a pensar no erro, por mais que não queira.
 
 










terça-feira, 28 de agosto de 2012

o ciclista

(...) somos desta mesma raça alada, 
que não se trata de pardais,
mas que manobra de pedais
pelos rios de asfalto, 
circulando ofegantes
as engrenagens corporais,
as engrenagens sociais,
que marca o tempo, toque e passo, 
compasso preso ao relógio, 
contando o fim das horas
desta escravidão democrática,
esperando ansioso a chegada
da bendita hora do almoço... 

segunda-feira, 26 de março de 2012

UMA ANALOGIA SOBRE NÓS

Abelha e flor numa corrida perpétua,
pela pressão ambiente se forjam,
a si próprias se transformam
mediante adaptação mútua.

Quem de longe vê a precisão,
acredita que as duas são perfeitas,
que uma para outra foram feitas,
sem sequer perceber a ilusão.

Se hoje são o que são exatamente,
é porque seguiram juntas com êxito
numa mesma direção coerente.

Duas partes que superam o inóspito,
quando estão verdadeiramente
buscando o mesmo propósito.

segunda-feira, 5 de março de 2012

SONETO DE FUGA


Toda evidência contrariada
com o apego ao mistério,
da fortaleza de seu império
a lógica não é nada.

Escolhido o caminho do paraíso
necessita torná-lo inteligível,
livrar-se da culpa sensível
convencendo seu próprio juízo.

Porém quando é frágil o designo
foge do entendimento como o diabo da cruz
se esquecendo do que um dia foi digno.

Mas se o mistério é a resposta que o seduz,
que valores imprime em seu signo
fugindo da verdade com a velocidade da luz?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

SONETO DE UM DERROTADO

Tomba ao chão quem enfrentou a dura prova
e mesmo ferido se rasteja em seu caminho,
não se importando com feridas e espinhos,
mantendo a força que ressurge quase nova.

Mas persistência não define a vitória,
pesaram os erros cometidos no passado.
O medo surge quando se vê desarmado,
tornando clara a ilusão de sua glória.

Muito embora engula seco a derrota,
e entregue os pontos em seu último momento,
encara o medo e em sua cara bate a porta.

Mesmo assumindo tantos erros em julgamento
fez de tudo para salvar o que importa,
se livrando de qualquer arrependimento.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

SONETO DOS DIAS PASSADOS

Do carvão ao diamante,
a consistência adquirida.
Séculos de pressão sofrida
tornaram o banal fascinante.

A manhã que se torna tarde,
chega o alívio passada a dor.
O sentimento para quem for
do desespero a saudade.

Nas dobras do tempo tudo muda,
da consciência a matéria densa,
tudo em sua certa medida.

É tênue a medição da hora tensa,
pouco tempo basta à espera muda
que transforma expectativa em indiferença.


sábado, 14 de janeiro de 2012

MEDINDO GRANDEZAS



Nem que tudo quanto fosse rio,
nem que tudo quanto fosse água
neste mundo, por ventura, evaporasse,
revelando os abismos
mais profundos dos mares,
nem assim seria possível dar vazão
a tudo isso que agora transborda
de meu peito.

Este nó na garganta,
que desata apenas ao dizer
que te amo tanto.

ALIMENTO


Somente mesmo
a angustia
para me fazer
jorrar palavras
como quem
vomita.

A agonia
de não ser capaz
de conter dentro si
um sentimento forte.
Seja a dor intensa,
seja o êxtase.

O desespero
para desabafar
consigo mesmo,
tornado visível numa folha
como num espelho.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

RAÍZES CORTADAS

Entro onde caibo,
me acomodo fácil
em cantos quaisquer,
sobretudo nos recintos
recíprocos.

Me mostro
onde posso me esconder.
Na segurança que encontro
onde posso ser
quem sou.

Por vezes fui
por demais tolo
acreditando inutilmente
que caminhos não podem
ser incertos,
que todo lar seria
um lugar certo, ponto cardeal.
Quando, na verdade,
o lar é "quem"
ao invés do "onde".

Fui castigado por
minhas tolices,
voltadas agora
contra mim.
Ironia, enfim,
não castigo.

Já não mais caibo
onde quis ficar,
por mais tardada
convicção.
E como dói levantar
após estar aconchegado
a certo tempo.
Mas onde está cheio de si,
já está vazio de todo o resto.
Para não mais
ficar no vácuo,
evacuo de onde
não há mais vontade.

Sem rancor
ou remorso algum.
Se me despediram,
me despeço e vou.